quinta-feira, 14 de março de 2019












se vem é estrada
se volta é estrada
se não volta, nem vem
pela estrada é que fica

assim é que se desentende
esse engenho que roda
assim é que vai sendo
essa vida enquanto vai indo

passo a passo no ritmo
passo a passo imprevista
do início até quando termina

quem sobre isso me fala
deste que está no caminho
diz que sou eu nesta estrada










olho e aprecio o dia que nasce
e de tudo aquilo 
que esse nascer desvela
se alegre ou se triste, 
isto que está fora me invade
se agora ou mais tarde,
de repente tudo isto se acaba

olho e acredito em tudo aquilo que posso
e desse poder
que decididamente me invisto
se fugaz ou se permanente,
isto que está dentro me move
se cedo ou resisto, 
tudo isto faz parte da vida que segue










a bem da verdade
verdadeiro é um outro trajeto
que só descobrimos mais tarde
se por acaso
passamos por ele

a bem da verdade
verdadeira é uma estreita passagem
que por acaso encontramos
aberta ou fechada
durante o trajeto











olha que o amor ainda te alcança
olhe que o amor ainda te abraça

apesar da pressa com segues adiante
apesar da indiferença que à vida emprestas
apesar das desculpas com que amiúde te ocupas
apesar da distância em que resignada te ocultas

olha que o amor ainda te salva
olha que o amor ainda te cura

do ódio que te cerca sem que o percebas por perto
da solidão que te invade sob as ordens do medo
do vazio que te sonda e em cada canto te espera
desta vontade sombria que vai perdendo tua alma










se hoje for bom
amanhã apareço
caso contrário
se bem me conheço
amanhã eu não venho

sou abismo e penhasco
sou fim e começo
divido-me ao meio
e em cada metade
permanece inteira
a minha vontade












bateu saudade
sentiu vontade
de antigos lugares
que de lá já se foram

carnaval que se esperava
fantasia que se vestia
alegria que brotava
do nada que se tinha











o ser da terra
cria e concebe
a multiplicidade que habita
em seu próprio seio

o ser da terra
vela e cuida
daquilo tudo que gera
em seu pleno e livre arbítrio











dormir pelo descanso
do mal que nos atinge
e com o qual atingimos

dormir pelo esquecimento
do mal que Deus não vê
ou vê como não sabemos

dormir pelos sonhos
nos quais o mal não passa
de fictícia ameaça

dormir pela esperança
de que alguma criança
em nós ainda adormeça

segunda-feira, 4 de março de 2019












tem gente que passa
e que fica na gente
tem gente que passa
e que encosta na gente

disso que fica
e disso que encosta
só quem entende
é a alma da gente

como alma não fala
a gente não sabe
como ela se explica

a gente se cala, resigna
esquece aquele que encosta
e cuida daquele que fica









balada da amiga viva

finalmente esqueci o seu rosto, o seu corpo
a sua fala, os seus gestos
finalmente todas as luzes daquele espetáculo se apagaram
finalmente segui um caminho
que me levava aonde eu queria
finalmente fiz minhas escolhas
de acordo com a minha vontade
finalmente me dispus a sair por aí sem destino
finalmente me aproximei sem medo 
de tudo que me atemorizava
finalmente me afastei convicta 
daquilo que me aprisionava
finalmente encontrei-me comigo
a tempo de ter-me salvado








a gente se entrega
a tudo que pede  desejo
a gente se despe
se abraça
se beija
se toca
se come
se farta
de todas as fomes

a gente se encanta
e se funde
em escudo de bronze
em pétala de rosa
em nuvem que segue
tão branca
tão pura
tão leve
tão minha
tão sua
tão nuvem
tão nuvem...










se hoje for bom
amanhã apareço
caso contrário
se bem me conheço
amanhã eu não venho

sou abismo e penhasco
sou fim e começo
divido-me ao meio
e em cada metade
permanece inteira
a minha vontade











porque nada chega
porque nada vem
viemos para encontrar
vivemos para o encontro
com tudo aquilo que está
aonde se chega
aonde se vai
quer seja às estrelas
que se olha e se vê
que seja aos sonhos
que se transformam no bem e no mal
quer seja afinal
ao prevalente não ser












- escrevo este verso porque estou sozinho.
ponto e pronto
terminei o meu verso
mas como permaneço sozinho 
vem a mim outro verso
- escrevo sozinho porque me tenho ao meu lado.
enfim, mais um verso terminado,
ponto e pronto
porém, agora que os leio
desperta-me a vontade de não deixá-los sozinhos
então a eles dedico o carinho da minha amizade,
- sozinho, tendo-me ao meu lado, escrevo, porque,
meus caros amigos, vocês estão sempre comigo.
ponto, pronto

domingo, 3 de março de 2019










por sermos aqueles
que ignoramos quem fomos
repetimos os erros
que nos condenaram
renovamos esperanças
que julgamos perdidas
acordamos promessas
que não cumpriremos
fechamos olhos
para quem nos ampara
deixamos de lado
o que subsiste no centro
assinamos um nome
que mal conhecemos
fingimos que somos
uma obra completa














ela vinha pelo mesmo caminho por onde eu passava
olhávamos-nos e seguíamos em sentidos contrários
troquei meu caminho por outros caminhos
pelos quais eu passava e ela não vinha

sem que ela soubesse e talvez se alegrasse
ficaram comigo seu brinco de pérola e sua tiara amarela
sem ela saiba e talvez fique magoada
perdi os seus olhos e se os procuro não consigo mais encontrá-los











o riacho era fundo
ante quem era apenas menino
que atravessando suas águas
desafiava todo perigo

e guardava em segredo,
naquelas mãos de menino,
o destino do mundo
sob sua eterna vontade










a mágoa que fica
é chaga aberta 
ferida na alma
que não cicatriza

a mágoa vencida
é chaga extinta
alívio na alma
em dia de festa













vieram chamar
respondi: não sei
está muito além
ficou para trás

esse daqui
não é quem
bateu asas
viajou

é outro...
alguém
que fiquei
em seu lugar









não, não penso em nada
vou escrevendo o que alguma coisa vai me contando
sim, sinto, sinto todas as coisas
que no escrito vão me encontrando

em tudo que sinto me reconheço
naquilo que escrevo
e naquilo que alguma coisa vai me contando
vou me descobrindo

descubro-me vestido em outros,
que um dia estiveram comigo,
e me descubro naqueles que eu possa ter sido
e deles me visto como a um estranho

sábado, 2 de março de 2019














estou a espera...
que venha
como vieram outros dias
e trouxeram com eles,
aquilo que eu não esperava
e estava para ser descoberto
por aquele que em mim não sabia
por aquele que eu fui descobrindo
quem era









da noite
vieram teus olhos
da terra
brotou tua pele
da água
escorreu teu sorriso
como tu,
eu não creio
como tu,
eu não rezo
ora pro nobis,
santinha
ora pro nobis,
rainha
enquanto te vejo
vestida de rosas
nuinha, nuinha
e a rosa vermelha
sozinha
sozinha
rosinha encarnada
só minha
só minha












apenas vontade
de escrever aquilo
que outra vontade ordena:
escreva.










se realmente me ama
cuide bem do meu corpo
ele é quem vela
para que minha alma se salve
porque ele é quem diz
o que minha alma não fala
porque ele é quem vê
o que minha alma não olha
porque ele é quem sente
o que minha alma não toca
porque ele é quem vai
enquanto minha alma
nunca sabe por onde













vieste
a minha alma compassiva 
se alegra por isso
e tão compassiva
sinto ser a minha alma
que por certo
bem antes de teres vindo
ela já adivinhava
que virias um dia















do mar e das montanhas azuis
do mar e do sol, que nasce e se põe
do mar e das alvas areias
do mar e do céu, que se fundem no horizonte

do mar e de mim
que nos encontramos e que nos tocamos
de mim que tudo sinto e me calo
de mim que extasiado me entrego
à profunda indiferença de quem nada espera









quem se vê a toda hora
parece que se demora
diante dos nossos olhos
e foram tantos aqueles
que a toda hora
estiveram diante dos nossos olhos,
que só agora,
quando não mais os vemos,
é que sentimos
quão passageira
foi a sua demora











meus erros se fazem
das sombras que ocultam
meus medos
das luzes que iluminam
meus sonhos

sombras e luzes
são nada mais
que o tempo e o barro
dedicados ao cuidado
deste que assim sendo
foi concebido









a manhã que eu queria
era tão antiga quanto os muros de barro
que ainda não existiam

a manhã que eu queria
era tão silenciosa quanto as florestas
dos contos de fadas

a manhã que eu queria
era aquela em que de longe se ouvia
cantigas de roda na praça

a manhã que eu queria
era todinha de sombras e pedras
e por elas escorria
uma água branquinha que borbulhava

a manhã que eu queria
era aquela que o vento trazia
e passava...e passava...
e passou tão depressa














eu e o mundo
não somos
um e outro
eu e o mundo
somos o mesmo
único sujeito
um no outro
outro no um
se o mundo começa
começa em mim
se o mundo tem fim
termina em mim
se habito no mundo
o mundo me habita
se o mundo é vasto
vasto sou eu
se o mundo é isto
isto sou eu
se o mundo é quem fica
quem espera sou eu
se o mundo é quem passa
passa assim como eu















sala de jogos III

compro, compro...
o seis que me foge
somo o dois e o quatro
mas isso não convém
à regra do jogo
passo, passo...
agora o Cara de Ovo
compra, compra...
olhou...piscou...
também já se foi
passa, passa...
o da ponta esperando
gavião pronto
como quem vai...
mas passa, não vem
vem lá o Mané
pigarro...tossinha...
é a morta, é a morta...
ficou na saudade
eis que...ora,ora...
de volta...aqui é que vai...
é o...o...três e três...
...
o Cara de Ovo
não piscou o velhaco...,
bateu outra vez












sala de jogos II

as pretas avançam
as brancas se fecham
ou vice versa
ou vence essa dança
quem passo a passo
percorre os caminhos
atento a espaço
bem de mansinho
fingindo-se morto
pra de repente
saltar sobre o outro
que vinha, que vinha
sem perceber a rainha
que se escondia
naquela que só parecia
um humilde pedrinha











sala de jogos I

perderam-se algumas peças
de um velho quebra-cabeças
partes que eu via tão nítidas
e que se encaixavam tão certas

então se vejo agora
o quebra-cabeças refeito
delas só resta o vazio
na figura que não mais se completa












pode?

lá vou eu
procurar no infinito
o lugar onde se esconde
o menino que me habitava

caso o encontre
volto no pique
conto até três
e mil vezes repito sorrindo,
achei!