segunda-feira, 21 de agosto de 2017











os fatos me fogem
de alguns me recordo
dos que lá estiveram
ficam-me os olhos
ficam-me os gestos
ficam-me as vozes
e toda inocência
que pronunciavam
ficam-me os verbos
ficam-me as retas
ficam-me os mapas
ficam-me os mestres
ficam-me os muros
ficam-me as sombras
subindo as escadas
ficam-me os raios
brilhando nas salas desertas













se não falo das pedras
as pedras somente são pedras
se visto as pedras com minhas palavras
 brilham as pedras diante dos olhos
e mesmo caladas me contam aquilo
que só no escuro das pedras
permanece guardado












consideramos
procedemos de maneira polida
combinamos
dissemos as devidas palavras
cuidamos
para que nada ficasse subentendido
concordamos
com tudo que prometemos
compreendemos
aquilo que a hipocrisia nos tem ensinado
humanos
à vontade ficamos para trairmos
o que decidimos














na sala escura do sofrimento
caladas as palavras se escondem
se por uma fresta a alegria se infiltra
iluminadas as palavras me contam
aquilo por que tanto sofriam

sábado, 19 de agosto de 2017















em tempo neofascista
coragem amigo
ainda há muita vida
para ser vivida
e muitos males nos esperam
antes que a morte nos livre
de tanta desdita



















muito se enganam
aqueles que pensam
que desta vida
nada se leva
ai quem nos dera
se todos aqueles
que nos amaram
nos devolvessem
as nossas lembranças
que levaram com eles












desfiz-me de todas elas
há muito estavam guardadas
não me alegravam, nem me feriam
já não me diziam mais nada

coisas velhas que me pertenciam
ou ilusão de que fossem minhas
não sei porque permanecia com elas
mania de juntar cacarecos 
que meus versos desprezam
receio de perder o passado 
que há tempos dei por perdido

sexta-feira, 18 de agosto de 2017
















quando ela veio
naquele momento
falando todas a línguas
eu mal dominava
minha língua nativa
mudinho da silva
foi só alegria
ser devorado
por todas as línguas
que ela sabia









meus olhos escuros
enxergaram o vermelho
teus olhos castanhos
enxergaram o vermelho
você disse rosa
eu disse sangue
você disse pedra
eu disse fogo
descobrimos no rubro
sentidos diversos
meus olhos escuros
teus olhos castanhos
se entreolharam surpresos
propuseram o branco













seco se quebra
tocado de leve
doçura aflitiva
áspero afago
só quem te ama
sabe que em ti
a suavidade se esconde
és tão discreto
preservo teu nome



















pai vai e vem
um dia se foi
nunca mais















perscrutava minha alma
enquanto percorria a estrada vazia
sozinho me encontro comigo mesmo
sozinho descubro as palavras que me procuram
sou aquilo que sinto
e também penso não ser nada disso
então eu me invento naquilo que escrevo
não nasço e não morro
recomeço refeito com tudo que existe
represo em mim o universo
que quando transborda
espalha meus versos por onde ele passa

sábado, 12 de agosto de 2017














se alegria
se sofrimento
fluem em demasia
transborda o pensamento

se movimento
seria dança
se acorde
seria música
se verso
seria poema
sublime linguagem
a alma exprime
se alegria
se sofrimento














a felicidade nos escapa
ligeira, ágil, matreira
por frestas impenetráveis
quando menos se espera

eis que navega
por mares convulsos
que não nos convidam

eis que avança
por céus tenebrosos
que não nos protegem

eis que sorria
no retrato amarelo
junto conosco














não sei o meu fígado como se sente
não sei se felizes meus brônquios respiram
não sei se valentes meus músculos resistem
não sei meus neurônios se interagem contentes

são seres estranhos que convivem comigo
marinheiros errantes
astronautas distantes
alienígenas

receio que se não os compreendo
eles se irritam, reagem
contrariam minha vontade
descumprem o estabelecido

se são capazes de tudo isso
melhor entender a natureza de todos eles
e conviver em harmonia
com marinheiros, astronautas, alienígenas













o excessivo confunde
com o escasso se aprende
quando a alegria se soma
ao nada aparente
alguém me comove
se às vezes me lembro
de velhas mão encantadas

sexta-feira, 11 de agosto de 2017

















atravesso
alguma coisa se altera
pode ser o começo do inesperado
pode ser que o desejo se satisfaça

são margens opostas
são limites estabelecidos
na mente e no espaço
isso não faço
isso não pode

atravesso












pela necessidade tudo se fez
se faz e será feito
desnecessário dizê-lo
que até o momento
em que tudo foi feito
também foi preciso
para que se fizesse
o que a necessidade exigia
o que a necessidade determinava
o mais não existe
e por tanto que se pense
que se crie e invente
que se aprofundem filosofias
não haverá coerência
em outras respostas
que afirmem diferente
ou neguem essa verdade
que em tudo só subsiste
o único e mesmo princípio
que por necessidade
faz de si mesmo
o seu próprio alimento















sei do que falo
falo daquilo que sinto
se erros insistem
naquilo que escrevo
não os identifico
deixo de corrigi-los
não aprendi na gramática
o que pela vida
me foi ensinado















as palavras se escondem
sob sombras escuras
que a gente ignora
descobri onde estavam
sem que soubesse
que as tinha guardadas
retirei o véu que as envolvia
reconheci todas elas
nuas assim como eram
então pude dizê-las
como jamais sonhei
que poderia fazê-lo
eu que me distraia
ouvindo sempre calado
o que me contavam
o mar, as estrelas, a saudade

quarta-feira, 9 de agosto de 2017









silenciosamente tudo foi dito
de nenhuma palavra nos esquecemos
com todas elas caladas
nos ofendemos e nos ferimos

de boca fechada
sem ouvir o que as palavras diziam
dissemos aquilo que foi preciso
para nos magoarmos profundamente

nas paredes daquele quarto
sob o branco com que elas se pintam
inscrevemos aquelas palavras
que desprezaram o que nos unia













contaram-me as horas
o que sabiam do tempo
- perdulário, afirmaram
- imprevisível, disseram
depois explicaram
por que assim ele era
- gasta o que tem
e desconhece o futuro












você se transforma a todo momento
com produtos que se oferecem nas prateleiras
com ideias que se vendem nas livrarias
com velhas crenças que novos templos renovam

com tudo isso em que acredita
você se contempla e sorri satisfeita
a outra que imagina que encontra
é a mesma de sempre que se apresenta

mas disso você não desconfia
e se convence da sua mudança
porque quem finge que te admira
esconde de ti aquilo que pensa














já nos esquecemos de alguns que morreram
se alguém por acaso os recorda
logo a memória desperta
e eles retornam à nossa lembrança
renascem na infância
nos quintais de muros de barro
renascem na juventude
nas aventuras que nos encontravam pelas esquinas
renascem naquilo que somos
e mesmo esquecidos
adormecem conosco enquanto vivemos













alguma coisa que estava morta
misteriosamente retorna
no silêncio das sombras
do domingo a uma hora da tarde

uma rua por onde se passa
um jardim de uma casa antiga
um cachorro que vaga perdido
uma árvore seca que antes floria

em tudo isso se encontra
resquícios que nos levam de volta
para domingos distantes
de que não nos lembramos
aonde estavam perdidos











aquele dia não volta
outros também não ficaram
encontramos com eles
enquanto seguimos viagem

viro uma esquina que antes não tinha
desconheço antigos caminhos
o novo renasce
onde o velho se esconde

a alegria tem hora que foge
atravessa o Saara
viaja pra Marte
nos deixa pensando
se tudo começa e termina
ou se tudo persiste e não se transforma