segunda-feira, 4 de junho de 2018
















ama enquanto
com toda força que te move e te faz existir
ama como amas o que já passou e ainda te encanta
ama completamente e não temas insídias por amar sem comedir
ama o que intuíres com a generosidade da terra e com a intensidade do mar
ama para não se perder no mesmo vazio dos que deixaram de amar
ama com tuas mãos, ama com tua garganta, ama com toda tua extensão
ama com teu coração fora de ti
ama enquanto
posto que quando está distante daqui

quarta-feira, 23 de maio de 2018















ao que disse sim
ao que disse não
tudo isso me dói
ou me deixa feliz
e não sei o porquê
e não sei o porquê

se fui e voltei

se resisti e fiquei
foi por que quis
ou não sei o que fiz
e nada me diz
e nada me diz

se hesitei e fugi

se decidi e lutei
alguém se alegrou
ou alguém se feriu
e não posso saber
e não posso saber

se digo tudo a você

e você tudo fala pra mim
até pode ser
até pode ser
que eu possa aceitar
mesmo sem compreender












em tempos
de carona solidária
aguardo você decidir
o tempo pode esperar
o lugar pode ser
onde nenhum sinal indicar
assim que partir
é só se perder por aqui
que iremos pra lá
seja lá onde for
que você desejar














não queremos que o mundo se acabe
mas o mundo vai se acabando
sem que saibamos qual é
o mundo que não queremos que acabe












não estou pra ninguém
aqui muito além onde estou
sinto a água escorrer
sinto a água em todo meu ser
sinto a água como se fosse você
você dentro de mim
como um rio a fluir
um rio que não sabe
por onde seguir
um rio que se deixa ficar
e cá dentro de mim
se esquece do mar
























se escrevo
eis me aqui
quem parece que sou
saiu por aí
isto se deu
depois que cresci
pois sem escrever
já era quem sou
desde quando nasci
você que me lê
não vá pensar
que é diferente de mim
basta olhar pra você
para logo saber
que se escrever como eu
também vai contar
o que quer esconder














se você não aparece
o que há?
não tem como esquecer
que era sempre você
aquela que nunca
deixava de vir











minha mãe me amou perdidamente
tão perdidamente
que se perdeu
encontrei outras mães
mães que fizeram
de mim aquilo que sou
não abracei minha mãe
e nunca pensei
em escrever-lhe um poema
minha mãe que tanto me amou
minha mãe que não sei
se ainda pode entender
que o que deixei de fazer
acho que foi
não por que quis












no outro lado do mundo
um monjolo persiste
batendo rangendo
rangendo batendo
indiferente ao protesto
intermitente das angolinhas
tô fraco tô fraco
tô fraco tô fraco
no outro lado do mundo
antigos meninos
deitados na relva
quase despertos
quase dormindo
ouvem calados
aquela cantiga
monjolo angolinha
monjolo monjolo
angolinha monjolo
monjolo

sábado, 19 de maio de 2018











era de se esperar
que eu lá estivesse
bem como você
e todos os outros
lembro-me de que alguém perguntou:
- como vamos fazer quando o sol se puser?
mas ali
aquilo não preocupava ninguém
e justamente por isso
foi que jamais me esqueci
de que alguém perguntou
sobre o que se haverá de fazer
quando o sol se puser












se fico por aqui
nada tenho a dizer
preciso sair
pelos caminhos no ar
pelo mar que não há
se quiser ouvir
o chamado que vem
de quem eu não sei
alguém que me diz
o que devo saber
pra contar a vocês














minto pra mim
quando penso que sou
se me aparto
do que penso que sou
a verdade me diz
o que pensa de mim
se sei que caminho
pra deixar de existir
melhor é viver
sem muito fiar
no que eu possa pensar
a respeito de mim









procuro um lugar
hei de ir
assim que souber
como encontrar

pensei no mar
pensei em voar
pensei em voltar
por onde vim

apareci por aqui
resolvi esperar
consenti em ficar
mas dei por mim
querendo partir

vou para lá
lá descobrir
o que de mim se perdeu
desde quando nasci
o que não sei o que é
o que não sei onde está













seja lá como for
só nos resta viver
apesar do sim ou do não
chegar é mera ilusão
apesar do ser ou não ser
o outro é que é a questão
se a razão decidir
não há como evitar
o que mesmo calado
o coração nos dirá











na delicadeza das avencas
no silêncio das naves
na transparência dos vitrais
a ausência de manhãs
que fortuitamente
insistem em ressurgir
com o gosto
com o aroma
com um doce e amargo sentir
do que se desfez
e está
onde não se pode ir

quarta-feira, 16 de maio de 2018














olhei
e lá estava você
foi bom te encontrar
daquele jeito
naquele lugar

olhei 
e já não era você
aquela que estava
daquele jeito
naquele lugar

olhei
e alguém que nem sei
tentou me lembrar
de quem foi que encontrei
daquele jeito
naquele lugar














no barco que partiu
lá se foi o que era meu
eu nem sabia que era meu
o que aquele barco levou
já não vejo de onde estou
sinal do barco que partiu
e este quem hoje sou
mal  lembra o que se foi
naquele barco que não voltou

segunda-feira, 9 de abril de 2018













por aqui já passamos
tantos anos
são as folhas ressecadas
são as folhas amarelas
as que desfeitas renascem
junto à relva molhada
as que a alma compreende
contam histórias que se repetem

sexta-feira, 6 de abril de 2018















chego até Deus
por onde nunca passei
eis que sou eu
esperando me encontrar
morrer já não é mais
que um suave pousar
quando o sol se puser
















eu me fortaleço
na fragilidade da poesia
daí esta alegria inusitada
que encontro nas formas
nas cores e no brilho
daquilo sem nome
que chamamos palavras